Crescimento das apostas online e fuga de arrecadação são um incentivo para que governo e autoridades discutam a aprovação de um marco regulatório para o setor.
A discussão é uma das mais importantes do ano e está na lista de prioridades do atual governo. A regulamentação dos chamados jogos de azar no Brasil é cercada de polêmicas, pois ainda há muita resistência de vários setores, incluindo a classe política, especialmente da direita, e as igrejas. Uma proposta, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, está no centro da discussão, por ser considerada uma espécie de marco regulatório para a área: o Projeto de Lei 442/91.
A proposta, que passou pela Câmara dos Deputados em fevereiro do ano passado e aguarda votação pelos senadores, prevê a legalização das apostas no país de modalidades que já existem na prática, como jogo do bicho, bingos e sites de apostas esportivas, que atualmente estão em plena operação no país, mas estão sediados fora do Brasil. A norma, se aprovada, também permite a instalação de cassinos: um por estado, com exceção dos que têm mais de 15 milhões de habitantes, que poderiam ter uma segunda unidade, e três nos estados com mais de 25 milhões de habitantes (neste caso, somente São Paulo).
Para quem defende a proposta, a legalização do jogo seria uma porta de entrada para o aumento do turismo e permitiria a regulação de um mercado que movimenta pelo menos R$ 27 bilhões de reais (os dados são do relator do projeto no Congresso Nacional, Felipe Carreras). E o potencial é de crescimento ainda maior, motivado principalmente pelas apostas esportivas ou apostas de quota fixa, feitas por empresas que chegam a patrocinar clubes de futebol que disputam a série A do campeonato brasileiro.
“Não há como negar que é um fator que incentiva sim a regulação, já que atrai a atenção de diversos setores da sociedade que acompanham o futebol”, afirma Bernardo Freire, sócio do Wald Advogados e consultor jurídico da Betnacional.
Mercado em crescimento
Falando em apostas online, esse mercado tem dobrado de tamanho no país a cada dois ou três anos e explodiu durante a pandemia. Em 2018, movimentou R$ 2 bilhões. Saltou para R$ 7 bilhões em 2021 e agora, em 2023, deve chegar a R$ 12 bilhões. De acordo com um levantamento do site Fraudes.com, são pelo menos 400 opções de plataformas no setor disponíveis no país.
Outro estudo feito no final de 2022 pela Similarweb, uma ferramenta de análise de sites e aplicativos, mostra que a busca por sites de apostas esportivas no país explodiu antes da Copa do Mundo no Catar: foram 114 milhões de visitas, o que tornou o Brasil o segundo maior mercado em apostas esportivas no mundo, só perdendo para os EUA. E o potencial para crescer é ainda maior, quando se considera a falta de regras específicas para as várias modalidades existentes.
Segundo os especialistas consultados pela LexLatin, os jogos de apostas online no país cresceram exponencialmente depois da aprovação da lei 13.756/18, promulgada pelo então presidente Michel Temer, em 2018. A norma legalizou o mercado de apostas esportivas no Brasil, mas deveria ter regulamentação posterior pelo Ministério da Fazenda até 2020. Depois desse prazo, havia a possibilidade de prorrogação do prazo de regulamentação por mais dois anos, mas o ex-presidente Jair Bolsonaro não aprovou a norma, o que deixou a discussão de um marco regulatório definitivo para o atual governo.
A regulamentação de 2018 quebrou um silêncio de mais de 70 anos sobre o tema. Antes, em 1941, a Lei de Contravenções Penais proibiu os jogos de azar no Brasil, com prisão prevista de três meses, com exceção das apostas sobre corrida de cavalos, que permaneceram autorizadas. Ao longo dessas sete décadas, foram muitas as tentativas de normatizar a questão, todas rejeitadas por conta de acusações de danos sociais e da possibilidade de lavagem de dinheiro e do financiamento do tráfico de drogas e do terrorismo, um dos grandes enfrentamentos de governos em todo o mundo.
Para os advogados da área, esse é um argumento falho. “É preciso dissociar que os jogos estão sempre relacionados à lavagem de dinheiro, bem como combater o aspecto da carga moral negativa e prejudicial. Se fosse assim, os cassinos seriam proibidos no mundo todo”, defende Fabyola En Rodrigues, sócia das áreas de Penal Empresarial e Compliance do Demarest.
A possível regulamentação das diferentes modalidades, discutida ainda em ao menos cinco projetos de lei no Congresso, promete permitir que as empresas que atuam no mercado de apostas e estão sediadas no exterior (em websites hospedados em servidor no exterior), em jurisdições onde as apostas são regulamentadas e legais, possam gerar divisas para o Brasil.
“É um mercado que tem crescido exponencialmente nos últimos anos, apesar de ainda faltar regulamentação e ter algumas modalidades de jogos até proibidas. Por isso, o legislador tem que ter em mente que as novas regras precisam ser viáveis e sustentáveis para atrair novos investimentos. Caso contrário, a atual estrutura desse setor se manterá, com empresas sediadas no exterior explorando esse mercado no Brasil. E a nova legislação correrá o risco de ser ‘letra morta’”, afirma Monique Guzzo, advogada das áreas de Regulatório e Direito Público do Demarest.