Às vesperas da votação do PL que legaliza os jogos de azar no Brasil, o Senador Irajá, relator da matéria, assina artigo exclusivo para o GMB. Ele aponta que o jogo do bicho movimenta R$ 27 bilhões por ano sem qualquer controle ou retribuição ao Estado, mais até do que a venda das loterias da Caixa. Segundo Irajá, estima-se mais de R$ 100 bi em investimentos nos próximos anos e geração de 1,5 milhão de empregos, além de mais de R$ 20 bilhões por ano em receita pública.
Todo mundo já ouviu dizer que o Brasil é um país de muitos paradoxos. Somos um dos principais produtores de alimentos do mundo, mas ainda convivemos com a fome e a insegurança alimentar. Possuímos uma das maiores concentrações de renda do planeta, onde uma pequena parcela da população detém a maior parte da riqueza.
Mas também somos o país de uma das maiores contradições legislativas do mundo: o jogo do bicho.
Apesar de proibido em 1895 e criminalizado em todo o Brasil por decreto-lei desde 1946, o jogo do bicho está presente em todos os estados da federação, movimentando bilhões de reais sem qualquer controle, regulação ou tributação. Como uma atividade ilegal pode permanecer operante à luz do dia por mais de 100 anos?
Uma das frases mais marcantes de Eduardo Campos — ex-governador de Pernambuco e uma grande liderança que o Brasil teve — é que não podemos dar intimidade a um problema; temos é que dar solução.
E o Projeto de Lei nº 2.234/2022, que regulamenta os jogos responsáveis e resorts integrados no país, é essa solução.
Como relator deste projeto no Senado Federal, tenho plena convicção que vamos corrigir esse e muitos outros paradoxos no país. Porque, além do jogo do bicho, estamos falando em regulamentar e fiscalizar também as casas de bingo, os cassinos e de outras modalidades de jogos que hoje funcionam livremente, totalmente à margem da lei.
O PL 2.234/2022 regulamenta os jogos de forma moderna, segura e responsável, nos moldes do que já é feito em mais de 70 países — inclusive em democracias sólidas como Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido, Espanha, Austrália, entre outros. A proposta prevê a implantação de resorts integrados com cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas, todos devidamente licenciados, monitorados e com regras rígidas de operação, prevenção ao vício e combate à lavagem de dinheiro.
É importante destacar que o projeto trata exclusivamente de jogos físicos. Serão empreendimentos com endereço fixo, sede conhecida e entrada controlada, sujeitos à fiscalização permanente. Diferente das plataformas digitais de apostas — as chamadas “bets” —, que operam online e são acessíveis de qualquer lugar, os jogos regulamentados pelo PL 2.234 ocorrerão em locais definidos, com controle de acesso, identificação dos jogadores e regras específicas de funcionamento. Isso garante mais segurança jurídica, transparência e responsabilidade social.
Ao mesmo tempo, o país vive um momento de urgência fiscal e de reconstrução da confiança institucional. Em meio a esse cenário, é surpreendente que ainda haja resistência à aprovação de uma medida com potencial imediato de geração de empregos, investimentos e arrecadação bilionária para o Estado brasileiro.
Estima-se que apenas o jogo do bicho movimente R$ 27 bilhões por ano no país — valor comparável ao orçamento de um ministério de médio porte. Enquanto isso, mantemos fechadas as portas para investimentos formais, empregos com carteira assinada e receitas públicas que poderiam estar sendo aplicadas em saúde, educação e segurança.
As projeções são contundentes: mais de R$ 100 bilhões em investimentos privados nos próximos anos, 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos e um impacto positivo no PIB turístico nacional. Isso sem falar na arrecadação. Estimativas técnicas indicam que o projeto pode gerar mais de R$ 20 bilhões por ano em receitas públicas. E esse dinheiro não será destinado ao governo federal como caixa único: o texto da proposta garante destinações específicas para áreas sensíveis como segurança pública, esporte, turismo, cultura e saúde.
Dada a importância dessa matéria para o país, o DataSenado realizou uma pesquisa em março de 2024 sobre a regulamentação dos jogos no Brasil. Foi uma pesquisa extensa e completa, com 5.039 entrevistas.
O resultado foi claro: a regulamentação dos jogos tem o apoio da maioria da população. Segundo o levantamento, 60% dos brasileiros são favoráveis à proposta. O número sobe para 73% entre os que compreendem que ela envolve resorts integrados com áreas de convenções, restaurantes, comércio, entretenimento e hotelaria. Ou seja: o brasileiro quer transparência, empregos e desenvolvimento. E é isso que o PL entrega.
É claro que o tema não é uma unanimidade. Mas a resistência à proposta no Senado ainda é alimentada por discursos ideológicos, desconectados da realidade. Há quem misture fé com política pública, ignorando que o papel do Estado laico é regular atividades que existem na prática e que precisam de fiscalização — e não legislar pela proibição baseada em crenças pessoais. Pior: ao se oporem à regulamentação, essas vozes acabam sendo, ainda que indiretamente, cúmplices da manutenção do jogo ilegal, que segue sem controle, sem impostos e com seus lucros alimentando esquemas de corrupção e violência.
Alguns parlamentares, infelizmente, insistem em distorcer os fatos. Em seus discursos, repetem a falsa equivalência entre a regulamentação e a banalização da atividade, ignorando os exemplos internacionais e os pareceres técnicos que embasam o projeto.
A proposta já recebeu manifestações favoráveis de diversos ministérios — Fazenda, Turismo, Desenvolvimento Social, Trabalho —, além de contar com o apoio da CNC – Confederação Nacional do Comércio e de entidades representativas como ABIH – Associação Brasileira da Indústria Hoteleira e a CONTRATUH – Confederação dos trabalhadores da indústria hoteleira. Isso não é pouca coisa. É o Estado e a sociedade brasileira dizendo que é hora de virar a chave.
A oposição à regulamentação também entra em contradição com o discurso de ajuste fiscal e responsabilidade com as contas públicas. É curioso que alguns dos críticos mais veementes à proposta sejam, ao mesmo tempo, os que cobram soluções para o déficit público. Pergunto: que outra medida está na mesa hoje capaz de gerar empregos imediatos, investimentos privados e arrecadação bilionária, sem aumento de impostos e sem recorrer a endividamento?
A resposta é simples: não há.
O PL 2.234/2022 é uma oportunidade concreta de modernizar a legislação, ampliar o controle social, estimular o turismo e fortalecer a economia nacional. Não se trata de liberar jogos — eles já existem. Trata-se de trazer luz ao que hoje está nas sombras, garantindo que a atividade seja exercida com responsabilidade, legalidade e retorno à sociedade.
A aprovação do projeto não será uma vitória de um governo, de um parlamentar ou de um partido. Será uma vitória do Brasil. Do Brasil que quer crescer com segurança jurídica. Do Brasil que respeita a fé, mas legisla com base na razão. Do Brasil que quer empregos, investimentos, dignidade e transparência.
É hora de dar esse passo histórico.
Irajá Silvestre
Senador da República pelo estado do Tocantins e natural de Goiânia (GO). Relator do PL 2.234/2022