Para a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), a proposta de aumentar a tributação sobre o GGR das apostas, apresentada como alternativa para compensar o IOF, não vai produzir efeitos significativos para o orçamento. Pelo contrário, a entidade antecipa fuga para o mercado ilegal, saída de empresas licenciadas e redução na arrecadação. “Mudar as condições de regulamentação que já tinham sido estabelecidas também permite a contestação judicial”, adverte.
A ANJL, uma das entidades que reúne operadores de apostas e jogos, junto a outras empresas do setor, publicou uma nota técnica onde resume a situação atual junto aos riscos associados à medida de aumentar a taxação e uma série de propostas alternativas para que o governo analise a fim de evitar a mudança no GGR.
O estudo, feito pelo economista Itanielson Cruz, alerta ainda que a “proposta de elevação da alíquota incidente sobre o GGR ocorre em um momento sensível do processo de implantação do novo marco regulatório e pode ampliar a probabilidade de judicialização por parte de empresas já licenciadas ou com pedidos em análise”.
Entre os riscos associados, para a ANJL aparecem:
Fuga para o mercado ilegal: Com a carga tributária elevada, as odds oferecidas pelas empresas licenciadas se tornam menos competitivas, incentivando os apostadores a migrarem para plataformas ilegais.
Saída de empresas licenciadas: Empresas já licenciadas no Brasil tenderão a devolver suas licenças e operar a partir do exterior, fora do alcance da regulamentação brasileira, uma vez que o valor do imposto ficará incompatível. Assim, as empresas tenderão a atuar no mercado ilegal, como ocorria antes da regulamentação do setor, o que representa um retrocesso.
Redução na arrecadação: Assim, a evasão fiscal aumenta, e a arrecadação efetiva pode ser menor do que a esperada. O resultado prático do aumento do imposto sob as empresas que ofertam aposta de quota fixa resultará, na realidade, na diminuição da arrecadação, porque as empresas já licenciadas sairão do mercado lícito.
A proibição da publicidade de empresas de aposta de quota fixa durante partidas e transmissões de futebol pode gerar um impacto negativo significativo para os clubes. Em nota pública, eles alertam para um possível colapso do ecossistema esportivo, estimando uma perda de R$ 1,6 bilhão por ano com o fim desses patrocínios. A saída de empresas licenciadas do mercado lícito pode agravar ainda mais a situação.
Proposta alternativa
Em vez de aumentar os impostos sobre as empresas licenciadas, o governo poderia:
* Fortalecer a fiscalização:
Investir em mecanismos para identificar e punir operadoras ilegais.
* Incentivar a legalização:
Criar condições atrativas para que empresas ilegais se regularizem.
* Educar os consumidores:
Informar os apostadores sobre os riscos de utilizar plataformas não regulamentadas.
Estima-se que o mercado ilegal representa cerca de 60% do setor de apostas esportivas no Brasil atualmente. Ou seja, a maior parte das empresas que ofertam apostas de quota fixa atuam no mercado ilegal, não recolhendo os impostos exigidos pela legislação. Assim, o aumento do imposto tende a fortalecer o mercado ilegal, que já é grande.
Enquanto o mercado regulado movimentou cerca de 3,1 bilhões de reais mensais no primeiro trimestre de 2025, o mercado ilegal operou com estimativas entre 6,5 e 7 bilhões de reais mensais!
Tanto é assim que recentemente o Ministério da Fazenda identificou 12,5 mil sites ilegais de empresas de apostas entre outubro de 2024 e março de 2025.
Potencial de arrecadação com as alternativas propostas
Com a adoção das alternativas propostas, haveria uma redução do mercado ilegal para 10%, o que aumentaria a arrecadação dos impostos já exigidos pela legislação. Se contabilizar somente o imposto federal recolhido atualmente, o combate ao mercado ilegal pode gerar uma arrecadação de 15 bilhões de reais por ano, muito mais que o aumento de 2,2 bilhões de reais pretendido com a compensação do IOF.
O valor de arrecadação resultante do combate ao mercado ilegal resultará praticamente no mesmo valor arrecadado com o aumento da alíquota do IOF. Além disso, o governo federal teria que tributar quase 80% do faturamento das plataformas de bets para compensar o recuo do IOF.
Diante desse cenário, fica evidente que aumentar ainda mais a carga tributária sobre as empresas de apostas esportivas legalizadas no Brasil, como forma de compensar a redução da alíquota do IOF, pode resultar em efeitos contrários aos pretendidos: evasão fiscal, fechamento de empresas licenciadas e fortalecimento do mercado ilegal.
Com o aumento do imposto, o resultado que se tem é a redução da arrecadação do imposto. Em vez disso, o caminho mais eficiente para elevar a arrecadação e fortalecer o mercado regulado é investir no combate ao mercado ilegal, incentivando a regularização das empresas, ampliando a base arrecadatória e promovendo um ambiente de apostas mais seguro e competitivo.
Como visto, com o combate ao mercado ilegal o Brasil vai arrecadar muito mais do que o valor que se pretende arrecadar com a compensação do IOF, chegando, inclusive, ao valor de imposto arrecadado atualmente pela alíquota de 3,5% do IOF (a qual se pretende reduzir).
Assim, o Brasil poderá arrecadar mais, proteger os consumidores e consolidar uma indústria sustentável e regulada, sem retrocessos.
Mudar as condições de regulamentação estabelecidas permite a contestação judicial
O parecer divulgado pela ANJL mostra que a proposta de majoração da alíquota de tributação sobre o GGR das apostas online, apresentada como alternativa para compensar a redução de arrecadação decorrente da revisão do IOF, não vai produzir efeitos significativos para o orçamento: o impacto mensal da elevação de alíquota deve ficar na ordem de R$ 170 milhões, chegando, no máximo, a R$ 680 milhões.
Além disso, a medida deve impactar as solicitações de autorização de operação em análise na Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) e deve representar a perda de R$ 2,8 bilhões em receitas para o país, com a desistência de novas casas de apostas para entrar no mercado regulado.
Para o presidente da ANJL, Plínio Lemos Jorge, este é um cenário que deve se configurar. “Mudar as condições de regulamentação que já tinham sido estabelecidas permite a contestação judicial, uma vez que o equilíbrio econômico- financeiro dos contratos não se equacionam da forma como foram assinados”, explicou ele.
O relatório enfatiza ainda que “em setores com alta carga tributária, como o de jogos online, a majoração de tributos pode estimular a migração de operadores e usuários para plataformas não licenciadas, comprometendo a eficácia da arrecadação e ampliando a informalidade”.
“Em outras palavras, mesmo que a base projetada parta de um GGR compatível com os dados reais do setor, não é possível assegurar que a arrecadação evoluirá de forma proporcional à elevação da alíquota, uma vez que a reação dos agentes econômicos pode neutralizar — ou até reverter — o ganho fiscal estimado”, diz um trecho do parecer.
O relatório mostra também que experiência internacional, inclusive em países com marcos regulatórios consolidados, demonstra que mudanças abruptas e sem análise prévia podem comprometer a competitividade do setor legalizado e ampliar o espaço de atuação de plataformas não licenciadas.
“A experiência recente da França oferece um alerta relevante quanto aos riscos de supertributação em mercados regulados de apostas online. Mesmo com um dos marcos regulatórios mais consolidados da Europa, o país apresenta uma taxa significativa de informalidade no setor”, afirma o parecer.
Fonte: GMB